A ideia de que os portugueses são responsáveis pela crise, porque andaram a
viver acima das suas possibilidades, é um enorme embuste. Esta mentira só é
ultrapassada por uma outra. A de que não há alternativa à austeridade,
apresentada como um castigo justo, face a hábitos de consumo exagerados.
Colossais fraudes. Nem os portugueses merecem castigo, nem a austeridade é
inevitável. Quem viveu muito acima das suas
possibilidades nas últimas décadas foi a classe política e os muitos que se
alimentaram da enorme manjedoura que é o orçamento do estado. A administração
central e local enxameou-se de milhares de "boys", criaram-se
institutos inúteis, fundações fraudulentas e empresas municipais fantasma. A este
regabofe juntou-se uma epidemia fatal que é a corrupção. Os exemplos
sucederam-se. A Expo 98 transformou uma zona degradada numa nova cidade, gerou
mais-valias urbanísticas milionárias, mas no final deu prejuízo. Foi ainda o
Euro 2004, e a compra dos submarinos, com pagamento de luvas e corrupção
provada, mas só na Alemanha. E foram as vigarices de Isaltino Morais, que nunca
mais é preso. A que se juntam os casos de Duarte Lima, do BPN e do BPP, as
parcerias público-privadas e mais um rol interminável de crimes que
depauperaram o erário público. Todos estes negócios e privilégios concedidos a
um polvo que, com os seus tentáculos, se alimenta do dinheiro do povo têm
responsáveis conhecidos. E têm como consequência os sacrifícios por que hoje
passamos.
Enquanto isto, os portugueses têm vivido
muito abaixo do nível médio do europeu, não acima das suas possibilidades. Não
devemos pois, enquanto povo, ter remorsos pelo estado das contas públicas.
Devemos antes sentir raiva e exigir a eliminação dos privilégios que nos
arruínam. Há que renegociar as parcerias público--privadas, rever os juros da
dívida pública, extinguir organismos... Restaure-se um mínimo de seriedade e
poupar-se-ão milhões. Sem penalizar os cidadãos.
Não é, assim, culpando e castigando o
povo pelos erros da sua classe política que se resolve a crise. Resolve-se
combatendo as suas causas, o regabofe e a corrupção. Esta sim, é a única
alternativa séria à austeridade a que nos querem condenar e ao assalto fiscal
que se anuncia.
Paulo Morais, Professor
universitário.
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